14 de Julho - Queda da Bastilha (Maçonaria e Revolução Francesa)

14/07/2012 20:23

Os iniciados não provocaram a Revolução Francesa. Eles estavam até mesmo divididos quanto ao caminho a tomar. Mesmo assim, seus valores são encontrados nas novas ideias: tolerância, liberdade, abolição de privilégios.

Uma lenda imputa aos maçons uma pesada responsabilidade na Revolução e no Terror. Nascida desde 1792 sob a pena do Abade Lefranc (Le Voile levé pur les curieux), popularizada em 1797 no meio da contra revolução pelo Abade Barruel (Memoires pour servir a l’histoire du jacobinisme), continuada no século XX por Augustin Cochin (La Révolution et la Libre Pensée) e subjacente ainda nas representações deste período, ela coloca em evidência o pretenso grande número de revolucionários maçons, a importância de seu simbolismo nas imagens revolucionárias e as temáticas desenvolvidas pelos revolucionários. Esta lenda é totalmente infundada.

Em 1789, os irmãos são menos de 50.000, repartidos em 700 lojas. Os vínculos que os unem são tênues e mesmo o Grand Orient de France, a menos passageira das obediências dirigida por Philippe d’Orléans tem uma fraca influência sobre as lojas afiliadas. Os próprios maçons têm as reações mais variadas diante dos episódios da Revolução: o duque de Luxemburgo emigra a partir de 1789, Chaumette se torna um dos Enraivecidos, o mais visível durante o Terror; Buonarroti, o irmão de armas de Babeuf é maçom, assim como Joseph de Maistre, uma das grandes vozes da história contra revolucionária no início do século XIX. Isso se explica por uma maçonaria muito disparatada – social, filosófica, politicamente: em 1789, as lojas podem reagrupar militares, eclesiásticos, aristocratas, artesãos…

EM 1794 NÃO RESTAM MAIS QUE TRÊS LOJAS EM PARIS

Para muitos, as sessões (reuniões) são uma forma de sociabilidade viril que marca uma integração social e não uma escolha ética. Outras fórmulas, muito mais significativas politicamente existem como a Sociedade dos Amigos dos Negros, ou abrem a partir de 1788 alguns irmãos em torno de Condorcet ou de Brissot. Durante os primeiros anos da Revolução, todos os estudos realizados sobre as lojas, em Paris e na província (Arras, Lille, Tolouse, por exemplo) mostram uma redução de suas atividades. Se algumas ainda são constituídas (duas em 1793), muitas delas são fechadas, como em Puy, em Moissac antes de 1792 ou em Lyon em 1793. Outros espaços de socialização são abertos: clubes, assembleias eleitorais que retomam práticas fraternais. Com tal concorrência, a maçonaria perde seu interesse. Mesmo em Paris, não restam em 1794 mais que três lojas.

É verdade, o irmão Barere se esquece de entregar um relatório à Convenção em favor da supressão das obediências, mas está-se longe do complô maçônico denunciado nesta “história desesperadora” segundo a bela expressão do especialista em literatura Gerard Gegembre, nascida da contra revolução. Pode-se ter a passagem do “maçom revolucionário” para o “revolucionário maçom” segundo o historiador Daniel Ligou: as lojas subsistentes são, com frequência, utilizadas pelos revolucionários como local de difusão de suas propostas. Isto sendo a impressão geral é bem a de um desaparecimento das lojas.

Será necessário aguardar o dia seguinte à reação termidoriana (julho de 1794) para assistir ao seu renascimento, sobre as bases sociais e filosóficas antigas renovadas: em um primeiro momento, ao menos até a Restauração, as sociedades filantrópicas tiveram uma atividade mais significativa que as lojas novas, transformadas em espaços de reunião que reuniam principalmente os burgueses voltarianos.

O simbolismo e a cultura revolucionária são maçônicos? A afirmação também é duvidosa. Nem a divisa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, nem sem dúvida as árvores da Liberdade não estão propriamente vinculadas à maçonaria. É certo que o triângulo, o olho, o nível estão presentes na iconografia revolucionária; é verdade, tais imagens de 1789 mostram a reunião de três ordens em frente a um templo. Difícil, entretanto, ver ali outra coisa que uma lembrança de referências comuns daqueles que fazem a opinião, na medida em que não existe ideologia maçônica – menos ainda ao final do século XVIII que hoje. A presença de tais referências é, de toda forma, menos obsedante que aquelas das referências às civilizações romana e grega. A “Saúde e Fraternidade” jacobina tem origem de fato nas duas fontes, da Antiguidade e da maçonaria.

Assim, a ideia segundo a qual os procedimentos das assembleias revolucionárias encontram suas raízes no ritual maçônico é globalmente falsa: eventualmente, certas sociedades patrióticas puderam retomar práticas fraternais. Mas, os revolucionários se inspiraram, sobretudo nas assembleias paroquiais ou em fórmulas da jovem república americana para organizar as assembleias mais importantes. A cultura pré- revolucionária não é, portanto essencialmente maçônica.

A IDEIA DO “COMPLÔ MAÇÔNICO” NÃO TEM QUALQUER FUNDAMENTO

Quanto à ideia de um projeto maçônico – ou seja, anticristão – que a Revolução viria a concretizar, fora os fedores ideológicos nauseabundos que pode exalar o tema do “complô maçônico”, ela repousa menos ainda sobre bases concretas.  Não existe qualquer unidade ideológica na maçonaria ao final do século XVIII à qual alguns religiosos e católicos muito ardentes sejam afiliados, ou mesmo a que aderem os partidários entusiastas da monarquia – vê-se mal como um complô homogêneo teria podido ser urdido ali contra a monarquia católica, tanto que nenhuma fonte vem a aventar esta ideia. O enfraquecimento da maçonaria durante o período 1789-1793 a torna impotente para uma ação coerente.  As atas das sessões são assim muito excepcionalmente propostas políticas precisas. O “partido Orleanista” com frequência ligado às obediências, levando em conta o status de Philippe d’Orleans não se exprime nem no quadro das lojas nem por meio dos irmãos. Enfim, o conjunto de medidas tomadas pelos revolucionários, desde a abolição de privilégios até o aumento de preços e de salários se inscrevem nas lógicas políticas exteriores à maçonaria, seja o liberalismo ou o dirigismo estatal.

Enfraquecimento rápido de 1789 a 1793; “jacobinização” das lojas sobreviventes durante o Terror; ressurreição tímida por vezes aburguesada e secularizada do Termidor ao Brumário: tais foram as três épocas da maçonaria durante uma Revolução que ela sofreu, que a transformou e da qual ela não passou de um figurante eventualmente visível, mas menor e silencioso.

A DIVISA DA REPÚBLICA

A divisa “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” é compartilhada pela República e pelo Grande Oriente de França. Desta comunidade, tirou-se uma lenda: a que transforma os maçons nos arquitetos da Revolução, veiculada pelas obras aparentemente sérias no início do século XX, tais como a obra de Gustave Bord, La Franc-maçonnerie en France. Ele repete assim as teses do complô maçônico, caras ao abade Barruel. A divisa será adotada pela IIa. República em 1848, e no ano seguinte pelo Grand Orient de France.

Durante a revolução, o tríptico jamais aparece como divisa do Estado, mesmo se tal regime o pode escolher, e mesmo se o clube dos Cordeliers se coloque sob a fórmula “A liberdade, a Igualdade, a Fraternidade ou a Morte”.

Os termos Liberdade e Igualdade são com frequência associados à União e à Constituição. E a fraternidade é um valor invocado por muitos clubes, como os Jacobinos. Do lado dos maçons, somente algumas lojas, com frequência militares, de tradição escocesa, parecem ter colocado certas de suas sessões sob este tríptico. Estas três noções são muito presentes na literatura do Século das Luzes, particularmente em Voltaire. Elas fazem parte da bagagem dos reformadores iluminados que, com frequência, se encontravam na maçonaria. A integração ao patrimônio republicano e depois maçom, foi preparada pela Revolução, moldada nos diferentes círculos da oposição à Restauração, e depois sob a Monarquia de Julho. Elas ultrapassam o meio maçônico.

(Olivier Coquard - Tradução José Filardo)